In the sun.

Esse mês de Novembro me deu muitas coisas pra pensar. Algumas que eu já havia começado a pensar há meses atrás, mas que tomaram uma forma mais definida agora. E outras que tropecei por esses caminhos tortos da vida. Desde que eu virei as costas e sai andando, só uma palavra ressoa delicadamente em minha mente: 'Imbecil. Sou uma imbecil.'. (...)

Irônica
é essa minha vida, não existe frase mais apropriada. Você pede em pensamento que algum sinal divino seja enviado, para saber se pode ou não fazer algo. E por fim não ganhas um sinal. Você ganha fogos de artifício. Nessa hora aquela peculiar vontade de ser um avestruz e enfiar a cabeça na terra é quase que predominante - risos. Isso tudo tem sido quase um terremoto. Pra uma pessoa que tornou-se algo tão frio e rígido feito um iceberg, essa situação tem sido uma prova de fogo. Que vem derretendo as camadas superficiais, assim expondo cada vez mais o interior. A consequência óbvia disso é que tudo aquilo que eu optei por esconder, devido ao instinto de autopreservação, vai se esvaindo de minhas mãos, lenta e gradativamente. Meus nervos ficam a flor da pele, por não saber como lidar com essa exposição - ainda.
A minha tendência é sempre de ter medo, de hesitar ao máximo. Você ganha tantas bofetadas seguidas da vida, que uma hora isso acaba acontecendo obrigatoriamente. Venho tentando retroceder essa era glacial de mim mesma há vários meses. E - acho que - agora isso é quase uma prioridade, devido as circunstâncias à mim apresentadas.

Novembro vai se encaminhando para o seu desfecho, dando lugar ao mês de Dezembro. Entre árvores de natal, chesters, pisca-piscas e presentes, existe aquela áurea mágica que envolve até os mais desacreditados dessa época, como eu. Que tal mágica sirva de algo, nem que seja só para alguma tranquilidade forjada. O verão também se aproxima, trazendo consigo aquele calor excessivo (from hell). Que esse iceberg derreta. E que eu possa retomar o meu lugar de direito.

Norah Jones @ Don't Know Why

Password 156.

Vento. Frio. Pressa. Aperto a bolsa contra o peito, como se isso trouxesse algum tipo de conforto. Meus passos ganham velocidade, ouço meu belo par de botas chocando-se frequentemente em obstáculos na calçada. Tropeço, quase caio. Só quero cruzar a porta do meu apartamento. Porém, por mais que eu me esforce, não consigo prestar atenção no caminho. Tropeço mais uma vez. Olhando para os meus desajeitados passos no chão, reparo que consegui chegar viva na entrada do prédio. "Aonde estão essas malditas chaves?" - bravejo em pensamento, enquanto ouço trovoadas anunciando uma chuva já prevista. Entro em casa, tranco a porta, jogo as chaves na mesa de entrada. Solto a bolsa ao pé do sofá e solto meu próprio corpo na minha adorável poltrona azul turquesa. Fecho meus olhos lentamente. Mentalmente, tento me convencer de que tudo irá melhorar. Afinal, Agosto e o seu típico inferno astral finalmente chegaram ao fim. Espero que o final deste cansativo ano seja tranquilo. Levanto-me, descalço as botas, vou até a janela e sento em seu parapeito. Assisto o espetáculo de dança que os pingos de chuva proporcionam. Cada um com a sua própria coreografia. Volto aos meus pensamentos. Começo a refletir como a vida tem sido irônica. Da turbulência de acontecimentos que ainda pairam no ar. Sinto falta dos dias calmos e das brisas felizes. Das cores que todos aqueles sentimentos me faziam enxergar. Falta dos aromas, dos sabores. Do conforto, e até das insanas preocupações. Hoje tenho lutado para simplesmente continuar a sonhar. Ter planos. Traçar metas. Voltar a ser vívida. Interrompendo meus devaneios, meu celular avisa o recebimento de uma nova mensagem. Estico o braço e quase caio, tentando alcançar a bolsa. Pego o celular e, assim que vejo o remetente, abro um sorriso. Antes mesmo de ler já imaginava qual era o conteúdo. Passo os olhos pelas letras - ouço cada sílaba - e confirmo minha afirmativa: "Você me orgulha". Alastro ainda mais o sorriso e respondo singelamente: "Não sou de todo mal, viu? haha". Vou até a cozinha e preparo o meu - já tradicional - café com gotas de menta. Levo minha xícara até a janela e aninho-me novamente em seu parapeito. Ali compreendi a certeza que já se alastrara por todo o meu corpo e mente: Tudo ficará bem. Agosto já se foi.

A chuva continuava a cair. O café lentamente chegava ao fim.

Annie.

Jem @ Maybe I'm Amazed.

Rehab.

Eu não escrevo desde Abril. E poderia dizer que estou sem tempo. Que tenho tido muitas coisas para fazer. Para resolver. Para pensar. Para refletir. Para decidir. Não. Nunca estive tão desanimada para escrever, na realidade. Desanimada? Que dramático. Acho que é só um simples 'estou sem vontade' e ponto. E penso que não é só no campo da escrita que isso vem ocorrendo... Cheguei no mês de Agosto e a famosa síndrome agostina tomou conta de tudo. Tenho estado mais confusa que o normal. Com uma tpm que quase me mata. Por outro lado, vi que me fechei pro mundo inteiro. E dessa vez foi pra valer. Mas abri os olhos, consegui entender que EU não posso ser assim - apesar de ter me dado muito bem com esse lado. E desde o começo do capítulo anterior eu sabia que isso aconteceria. Sabia que surgiriam consequências, como sempre. (...)

Há um tempo atrás tive experiências um tanto diferentes (e quem diria que eu acharia isso). Diferentes no sentido "500 days of Summer", na parte de Realidade x Expectativas. E depois parei pra pensar que, talvez, o erro tenha sido meu. Ou melhor dizendo, não houve erro. Porque não houve tentativa. Não deixei brechas - apesar de ter pensado em deixa-las. Depois cheguei em casa, com a bolsa jogada no ombro, sentindo como se tivesse perdido uma guerra. Enquanto que nem a guerra chegou a existir. Entrei no elevador, fechei os olhos e só tive vontade de bater a cabeça na parede. Como eu pude ser tão estúpida? Coloquei meu pijama, escovei meus dentes, lavei meu rosto e me afoguei entre as aconchegantes cobertas da minha cama. Eu queria esquecer. Obviamente uma vontade leviana, se tratando de mim. Até o dia de hoje, ocasionalmente, tenho alguns sonhos. "Sonhos manipulados". De como poderia ter sido se eu tivesse dado brechas - se houvesse 15% à mais de coragem por parte alheia.
Em outros tempos, eu certamente já estaria suspirando pelos cantos. O bom de ter levado 'tapas na cara' é o prêmio: Ter menos apego para com as pessoas. Nada passou de um interesse. E que foi benéfico em diversos sentidos. Tais como voltar a sonhar - e lembrar dos sonhos. E também, como eu havia começado a escrever, abrir os olhos para quem eu estava me tornando. As pessoas frias se machucam menos, sem dúvidas. Mas não consigo ver uma gota de felicidade exalando delas. Sim, nos últimos tempos me machuquei mais do que deveria. Mas nesses últimos 7 meses que eu tenho ficado extremamente distante de tudo, sinto-me como um iceberg. Inanimado. Que não se comove com nada - nem com ninguém. Nunca me senti tão distante de tudo. Pessoas, objetivos, sonhos. E também nunca me vi tão impaciente. Quase com uma tpm constante. E se eu - que sou eu - não tenho me suportado desse jeito, não fico surpresa com o que as pessoas devem estar sentindo/pensando com relação a mim. Tenho ciência do meu 'descaso', até mesmo com os meus amigos mais próximos. E claramente isso não tem sido bom. Nesse ponto, olho para trás. E vejo que nada justifica essas atitudes recentes. Justamente com as pessoas que mais me deram força, sabe? Sempre dei valor as minhas (poucas) amizades. Gosto de solidão, mas tudo tem um limite. Não pretendo morrer sozinha numa casa, trancada com 17 gatos - risos.

Agora entra em ação o projeto 'Back to black' ou a 'Rehab' (Muitas homenagens a minha querida Amy, que virou a cantora preferida de metade de mundo. Por isso detesto que essas pessoas morram... os antigos admiradores ficam comparados aos novos que conhecem 2 músicas e dizem que a amam.). Voltar para as minhas origens. Ter simpatia, carinho, demonstrar importância, bom humor e etc. "Demolir a muralha". E manter somente uma singela cerca. Continuar com a evolução de não me aproximar de ninguém sem testes prévios, mas deixar os caminhos abertos. E presumo que a vida vá melhorando aos poucos. Que, principalmente, eu vá melhorando aos poucos. Assim dando início a mais um capítulo.

Tears For Fears @ The Working Hour.

(Just like) starting over.

Perguntaram a John Lennon:

- Por que você não pode ficar sozinho, sem a Yoko?

E ele respondeu:

- Eu posso, mas não quero. Não existe razão no mundo porque eu devesse ficar sem ela. Não existe nada mais importante do que o nosso relacionamento, nada. E nós curtimos estar juntos o tempo todo. Nós dois poderíamos sobreviver separados, mas pra quê? Eu não vou sacrificar o amor, o verdadeiro amor, por nenhuma piranha, nenhum amigo e nenhum negócio, porque no fim você acaba ficando sozinho à noite. Nenhum de nós quer isto, e não adianta encher a cama de transa, isso não funciona. Eu não quero ser um libertino. É como eu digo na música, eu já passei por tudo isso, e nada funciona melhor do que ter alguém que você ame te abraçando. "

Canela com café.

Entro na livraria, sinto o aroma altamente familiar de café. Peço meu cappuccino. A moça atrás do balcão escreve meu nome na comanda - e para a minha surpresa, o escreve corretamente. Hoje é uma típica terça-feira, com um sol vibrante pincelando o céu azul, sem nenhuma nuvem. Apesar dos recentes acontecimentos, acordei bem. Não lembro do que sonhei. Daqui a pouco terei que deixar o santuário dos livros - que acolhe-me tão bem - e seguir com o dia. Amanhã faltará uma semana para mais uma primavera. O relógio não pára. (...)

A música solta suas notas e tons no ar. Hoje ouvi alguém, com mais experiência que eu, aconselhando-me sabiamente a ficar longe de certas complicações. A criar uma 'blindagem' para permanecer fora disso. Também escutei que várias pessoas dirão inúmeras críticas. Dizendo que sou insensível, até mesmo indiferente. Sorri ironicamente e respondi 'Dirão?'. E recebi um riso de como quem acabou de compartilhar um segredo, seguido da pergunta retórica 'Já dizem, não é?'. E eu continuo atrás da minha blindagem. Continuo me escondendo. Continuo não escutando quase ninguém. Seja isso bom ou ruim.

U2 @ Sometimes You Can't Make It On Your Own.

Password B306.

Pássaros cantam do lado de fora da janela. Aquele costumeiro sol da manhã - que tanto adoro - entra pelas frestas da persiana. Levanto. Preparo meu café. Preparo minhas torradas devidamente amanteigadas. Abro as janelas, sinto o sol acariciando meu rosto, delicadamente. Sento-me no parapeito, observo a rua, já movimentada, andares abaixo. Noto uma mulher sentada em um banco, no outro lado da rua, com um bebê no colo. Imagino os sorrisos de ambas criaturas. Sinto de longe a aurea leve e feliz que envolve as mesmas. Pego-me em profundo devaneios, de um futuro - ainda distante. Questiono-me se um dia serei merecedora de tal felicidade. Se sequer terei preparação para recebê-la. Sem notar, vejo um homem se aproximando da mulher. Carrega algo em sua mão (Seria um sorvete?). Ele se senta ao lado dela e leva-lhe o que acho ser uma colher à boca (Sim, sorvete). Tenho a impressão - ou desejo - que estejam rindo. Um som interrompe bruscamente a minha observação. O notebook ao fundo da sala volta a chamar a minha atenção com o som de um novo email. Quando olho, para a minha grande surpresa, não é um anúncio ou algum vírus. Um familiar remetente. Uma familiar escrita. "Amor?" Uma audácia desconhecida até então. Meus pensamentos adormecidos envolvem-me em um manto de sentimentos que não me pertencem mais. Entre um pensamento e outro consigo ler: "Desculpe-me, An.". Não entendo o que mudou para tal email ser escrito. Na realidade, não entendo nada. Termino de ler. Paro pra ouvir a minha alma questionando: "Pra quê?". Concordo com ela. Mas por quê Mark parou de pensar o mesmo que nós duas? Volto ao parapeito da janela, continuar aonde parei. Espanto-me ao perceber que não há mais casal, não há mais bebê - e não há mais sorvete. Simultaneamente tenho um estalo. Volto para o email, responder, novo email: Annie envia. "Pra quê?". Sua mensagem foi enviada com sucesso. (Meu café termina de esfriar. Minhas torradas estão moles, frias.)

Abro os olhos. Pássaros cantam do lado de fora da janela. Aquele costumeiro sol da manhã...

Annie.

Carla Bruni @ Quelqu'un m'a dit.

Unknown Caller.

O vento balança a cortina branca do meu quarto, ela voa. O vento pára. A cortina branca repousa suavemente, como se nunca tivesse alçado voo anteriormente. Meus pensamentos, ao seu contrário, permanecem intactamente fervilhantes. Embora os meses passem, as estações mudem e as matérias no pré-vestibular evoluam, os pensamentos estão imutáveis. Sobre os sentimentos, não ouso proferir o mesmo. A cada capítulo encerrado nasce uma nova pessoa aqui dentro. Acho que o nome disso seria experiência - ou não. Embora eu não consiga ter tamanha hipocrisia para ignorar todos os fatos. Ao mesmo tempo, existe uma certa obrigatoriedade em agir como se nada me afetasse. Triste ilusão - risos. É evidente que em alguns - muitos - momentos pego-me com aquele costumeiro buraco no peito. Um misto de saudade, preocupação, tristeza, amor... uma falta que chega a ser peculiar de tão inexorável. Entretanto, também há aspectos positivos. Como a liberdade. Nada como uma sensação de irresponsabilidade, de não ter correntes com nada - e nem ninguém. Sem explicações, obrigações. Discussões, ciúmes. Nada disso me pertence mais, feliz ou infelizmente (ou os dois, simultâneamente).
O irônico 'Por que?' continua pairando em meus pensamentos ocasionalmente. Mesmo que a verdade seja a que programei a minha mente desde o início para esse tipo de situação, nunca controlamos nossas reações e emoções. Nesse ponto lembro do que todos sempre me disseram, dizem e sempre dirão: Incrível é o tamanho da minha força. A audácia de me fazer ter sentimentos ruins não penetrou em mim. Não senti desespero, raiva, inconformação, dor ou qualquer outro derivado destes. Me entregar seria um presente. Permaneci de pé, inabalável para toda e qualquer circunstância. Continuo sendo impertinente para com a minha vida, tendo assim sempre um sorriso no rosto. Me impondo pro mundo e seguindo em frente. Não são meia dúzia de problemas e/ou pessoas que me derrubarão. Não possuo a ilusão de que o pior já passou. Terei um tempo de folga sim, tempo em que muitos fatos podem - e vão - acontecer. Mas ainda há muita vida pela frente, muitos capítulos à serem escritos. Lidos. Encerrados. E revisados, é claro.
Apesar d'eu ser uma pessoa extremamente intensa, típica Ariana, de não fazer parte de padrões ou rótulos... tenho orgulho disso tudo. Várias coisas banais me irritam profundamente e várias outras proporcionam-me felicidade. Sou psicótica, sou difícil. Porém, me aceito. Tenho meus milhares de erros. Quando confio em alguém, confio demais. Quando gosto, gosto demais. E quando me machucam, dói mais do que deveria doer. Mas por outro longo tempo, me fecharei além do necessário. Não acreditarei mais nas pessoas e só dependerei de mim mesma. Como sabiamente dizia o grande Renato Russo: "Tem gente que está do mesmo lado que você, mas deveria estar do lado de lá. Tem gente que machuca os outros, tem gente que não sabe amar. Tem gente enganando a gente, veja nossa vida como está. Mas eu sei que um dia a gente aprende. Se você quiser alguém em quem confiar, confie em si mesmo. Quem acredita sempre alcança." (...)

Após meses digo isso tudo que queria pôr pra fora desde o início. Somente outro registro de mais um capítulo encerrado - e de outro iniciado. Semana que vem completo minhas 19 primaveras. Num dia que tem tudo pra ser magnífico. Longe dos meus problemas. Ironicamente perto da causa de alguns deles. Mas a influência disso sobre mim teve o seu fim. Como todo carnaval. Como toda primavera. Como tudo.

Florence + The Machine @ Heavy In Your Arms.

Hello, I'm in Delaware.

Fim de tarde. Dia banal, terça, quarta-feira. Eu estava me sentindo muito triste. Você pode dizer que isso tem sido freqüente demais, ou até um pouco (ou muito) chato. Mas, que se há de fazer, se eu estava mesmo muito triste? Tristeza-garoa, fininha, cortante, persistente, com alguns relâmpagos de catástrofe futura. Projeções: e amanhã, e depois? e trabalho, amor, moradia? o que vai acontecer? Típico pensamento-nada-a-ver: sossega, o que vai acontecer acontecerá. Relaxa, baby, e flui: barquinho na correnteza, Deus dará. Essas coisas meio piegas, meio burras, eu vinha pensando naquele dia. Resolvi andar. Andar e olhar. Sem pensar, só olhar: caras, fachadas, vitrinas, automóveis, nuvens, anjos bandidos, fadas piradas, descargas de monóxido de carbono. Da praça Roosevelt, fui subindo pela Augusta, enquanto lembrava uns versos de Cecília Meireles, dos Cânticos: “Não digas ‘Eu sofro’. Que é que dentro de ti és tu? / Que foi que te ensinaram/ que era sofrer ?” Mas não conseguia parar. Surdo a qualquer zen-budismo, o coração doía sintonizado com o espinho. Melodrama: nem amor, nem trabalho, nem família, quem sabe nem moradia – coração achando feio o não-ter. Abandono de fera ferida, bolero radical. Última das criaturas, surto de lucidez impiedosa da Big Loira de Dorothy Parker. Disfarçado, comecei a chorar. Troquei os óculos de lentes claras pelos negros ray-ban – filme. Resplandecente de infelicidade, eu subia a Rua Augusta no fim de tarde do dia Tão idiota que parecia não acabar nunca. Ah! como eu precisava tanto de alguém que me salvasse do pecado de querer abrir o gás. Foi então que a vi. Estava encostada na porta de um bar. Um bar brega – aqueles da Augusta-cidade, não Augusta-jardins. Uma prostituta, isso era o mais visível nela. Cabelo malpintado, cara muito maquiada, minissaia, decote fundo. Explícita, nada sutil, puro lugar comum patético. Em pé, de costas para o bar, encostada na porta, ela olhava a rua. Na mão direita tinha um cigarro, na esquerda um copo de cerveja.

E chorava, ela chorava. Sem escândalo, sem gemidos nem soluços, a prostituta na frente do bar chorava devagar, de verdade. A tinta da cara escorria com as lágrimas. Meio palhaça, chorava olhando a rua. Vez em quando, dava uma tragada no cigarro, um gole na cerveja. E continuava a chorar – exposta, imoral, escandalosa – sem se importar que a vissem sofrendo. Eu vi. Ela não me viu. Não via ninguém, acho. Tão voltada para a própria dor que estava, também, meio cega. Via pra dentro: charco, arame farpado, grades. Ninguém parou. Eu, também, não. Não era um espetáculo imperdível, não era uma dor reluzente de néon, não estava enquadrada ou decupada. Era uma dor sujinha como lençol usado por um mês, sem lavar, pobrinha como buraco na sola do sapato. Furo na meia, dente cariado. Dor sem glamour, de gente habitando aquela camada casca grossa da vida. Sem o recurso dessas benditas levezas de cada dia – uma dúzia de rosas, uma música de Caetano, uma caixa de figos. Comecei a emergir. Comparada à dor dela, que ridícula a minha, dor de brasileiro-médio-privilegiado. Fui caminhando mais leve. Mas só quando cheguei à Paulista compreendi um pouco mais. Aquela prostituta chorando, além de eu mesmo, era também o Brasil. Brasil 87: explorado, humilhado, pobre, escroto, vulgar, maltratado, abandonado, sem um tostão, cheio de dívidas, solidão, doença e medo. Cerveja e cigarro na porta do boteco vagabundo: carnaval, futebol. E lágrimas. Quem consola aquela prostituta? Quem me consola? Quem consola você, que me lê agora e talvez sinta coisas semelhantes? Quem consola este país tristíssimo? Vim pra casa humilde. Depois, um amigo me chamou para ajudá-lo a cuidar da dor dele. Guardei a minha no bolso. E fui. Não por nobreza: cuidar dele faria com que eu me esquecesse de mim. E fez. Quando gemeu “dói tanto”, contei da moça vadia chorando, bebendo e fumando (como num bolero). E quando ele perguntou “porquê?”, compreendi ainda mais. Falei: “Porque é daí que nascem as canções”. E senti um amor imenso. Por tudo, sem pedir nada de volta.
Não-ter pode ser bonito, descobri. Mas pergunto inseguro, assustado: a que será que se destina?

Caio Fernando Abreu.