Password C707.

Correndo. Todos os meus músculos se contraem a medida que continuo correndo. Minha respiração permanece ofegante. Chuva. A chuva só aumenta. Sinto meu corpo completamente enxarcado. Com meu jeans e minha blusa de alça quase acoplados em mim. Olho para o céu, está escurecendo. Preciso correr mais rápido. Já prevejo o discurso de Lisa quando me ver assim: 'Eu avisei para você ficar em casa, Annie. Disse-lhe que tudo estava - na verdade ainda está - contra você e essa tua petulância.'.
Fui petulante - e fraca - pelo que julgava ser um grande motivo. Estava completamente equivocada. Henry não é a mesma pessoa, não o conheço mais. Acho que nunca acreditei que alguém tão doce e gentil pudesse se transformar em um ser frio, inanimado e sem sentimentos. Sabes o que é pior? Por ter sido estúpida em supor que seria diferente, não terminei somente de perder razão de felicidade. Joguei fora aquele que começara a se tornar importante, George. Como sempre, Annie fere-se com o que não presta e machuca quem possuia devido valor real. Continuo correndo, mesmo tendo ciência de que já não adianta. E presumo que é melhor dessa forma. A tendência é sempre que as pessoas machuquem-se ao meu lado. Então que eu permaneça com minha solidão particular. Até aparecer alguém que me agrade, que venha correr ao meu lado na chuva. E que, provavelmente, desapareça após isso. Claro, meu interior espera que isso mude. Uma hora ou outra. Mas sei - apenas por saber - que outros Henry's e George's vão surgir do nada e mudar tudo. Prossigo, sem saber o que o futuro me reserva, mas sabendo que o meu café com gotas de menta estará me esperando na bancada da minha cozinha. E, desta vez, ainda quente.

Annie.

Soundgarden @ Black Hole Sun.

Another dance.

Escrever. Na verdade, digitar. Desde Abril não o faço... prefiro não lembrar do meu último post que escrevi aqui, nessa mesma cadeira, numa tarde nublada e fria. Apesar de um fato levar ao outro. É um ciclo... sempre voltamos ao mesmo ponto. Razão. Insanidade. A segunda palavra contém mais sentido, sim. Insanidade... Chega a ser uma auto-afirmação. Ou seria uma auto-definição? Não sei mais. Para dizer a verdade, não encontro nada que possua coerência para escrever. Afinal, como algo coerente pode sair de uma pessoa que não sabe agir de acordo com esse termo?

Os último tempos têm sido confusos. Frios. As lembranças (assim como eu previa antes de tudo isso) insistem em andarem mescladas comigo. Era isso que eu temia antes mesmo de acabar o que nem ao menos comecei. Voltar de um lugar - que só deveria me trazer felicidade - com a alma em pedaços. Sentir lágrimas atravessando o meu rosto pelo simples fato de um jorro de lembranças que invadem a mente, sem a minha permissão. Milhões de assuntos pendentes. Resolvo um, surgem 3. Quando chego ao final da lista de pendências... restam-me 2. Sendo que uma delas era uma ferida aberta. Daquelas que qualquer deslize provoca uma infecção. E existem vezes que de nada adianta um cuidado excepcional. Chegamos a pensar que já está tudo bem, que só existe uma cicatriz agora. Quanto engano... sinto-me cega. Só descobrimos que uma ferida permanece aberta quando tocamos nela, não importando o quão delicadamente seja. E pior que isso (saindo das metáforas), quando nos deparamos com estranhos. Completos estranhos. Acho que nunca entenderei as pessoas, a forma com que elas agem para com seus semelhantes. Como elas podem ter mais de uma personalidade. E isso chega a causar um sentimento, o qual não tem definição ou nome. Um misto de.. descaso com mentira. Essa palavra dói: Men-ti-ra. E me remete a outra ainda mais cruel. Ilusão. Sim, essa se encaixa com perfeição. Confesso que eu nunca esperaria receber palavras num tom frio, e até ríspido em certas frases. Não acreditei que era possível estar presenciando uma mudança tão drástica de alguém que já me foi tão doce e importante. Leio históricos que mais parecem livros. Não encontro uma explicação sequer. Sim, sei que devo aceitar as palavras de explicação que me foram concedidas. E também tenho ciência de que, no final, serão elas que irão afastar essa ilusão. Ou seria alusão?

De fato, nunca estaria preparada para o que eu forcei a acontecer essa semana. Mas não me arrependo. Como já me disseram anteriormente, certas coisas só são resolvidas quando acontece um choque de realidade. Uma bofetada da vida que te faz acordar de um sonho que virou pesadelo. E é isso que te faz prosseguir. Que lhe devolve aquela força que nenhum de nós sabe da onde surge. De nada adianta você ouvir trilhões de pessoas dizerem que o certo é deixar o passado no passado. VOCÊ terá que se dar conta disso sozinho. É de sua própria vontade escolher viver do passado ou buscar um novo futuro, por mais que seja inexoravelmente difícil. O que me preocupa atualmente não é mais isso... Mas sim a consequência que esse choque de realidade vai causar ainda mais. Não acho justo as pessoas que estão a minha volta pagarem pelas minhas decisões. Embora eu não veja outra solução, por hora. A frieza vai aumentar, a fortaleza que envolve meus sentimentos mais delicados e profundos há de se tornar algo ainda mais rígido e sólido. Preciso de um espaço seguro para poder reconstruir o que foi demolido de uma hora pra outra. O receio predominante é que, com cada um desses meus capítulos encerrados, a fé acabe deteriorando. E, consequentemente, vá perdendo pedacinhos da minha essência. Ainda tenho minhas esperanças, é claro. Mas não passam de algo remoto. Preciso de um tempo pra mim, sozinha. Não quero mais envolver ninguém nos meus problemas e dramas. Não acho justo. E sei que não é. E ao mesmo tempo sei que não é justo eu acabar me fechando de tal maneira absurda. Sei que é escolha minha. E sei que é extremamente provável que isso ocasione sérias consequências. Que desculpas não serão suficientes. Nunca são. Sinto-me num estado de sonambulismo constante. Vivendo e, ao mesmo tempo, não tendo consciência do/de que estou vivendo. Jogaram um copo de água fria em meu rosto, assim finalmente acordei. O choque vai passar. E a vida sempre continua... até a divina segunda ordem, ela continua.

Eu continuo.


Dario Marianelli @ Your Hands Are Cold

Password C683.

Surreal. Inexorável. Minha expressão não consegue omitir tamanha perplexidade que me foi causada com a chegada do correio matinal. Em plena - e ensolarada - terça-feira, meu - que nunca foi realmente meu - Henry decide por livre e espontânea vontade cumprir suas palavras de um passado que não nos pertence mais. "Mandar-te-ei uma carta, escrita à próprio punho, dando-lhe todas as explicações que vais cobrar um dia.". Passo meus dedos finos e longos pelo envelope, acariciando as marcas da tinta preta, desenhando delicadamente sua perfeita caligrafia. Olho através da cortina entreaberta o raio de sol que ilumina exatamente o lugar em que me encontro sentada, em meu sofá azul turqueza (...).

Um barulho irritantemente forte perfura meus pensamentos. Badaladas. 10 badaladas. Olho para baixo e deparo-me com as próprias mãos entrelaçadas ao vestido amarelo que coloquei assim que acordei. Devaneios. Sempre crueis, sempre pontuais. Meus olhos ardem. George me aguarda no café, há 6 minutos. Pego minhas chaves, tranco a porta, aciono o alarme. Aciono o alarme da minha mente instável, simultaneamente. Dirijo-me ao caminho oposto, e sinto George se afastando lentamente... sinto meu café com delicadas gotas de menta esfriando. Comigo, simultaneamente.

Annie.


Radiohead @ Last Flowers.