Je veux te voir.

Olho para um lado. Olho para o outro. Espio todos os cantos. Feito uma criança prestes a realizar uma travessura. Ou um assassino prestes a dar o golpe final. Sinal de insegurança. Olho para baixo, começo a estalar os dedos. Ajeito o cabelo de um jeito. Depois de outro. Desvio os olhos. Perfuro a palma da minha mão de tanto apertá-la com minhas unhas vermelhas. Sinto meu rosto arder de tão vermelho que encontra-se. Ao menor movimento, paraliso o mundo. Meus olhos focam tudo que está diante de mim - diante da minha vida. (Open up your eyes, open up yo...)
As luzes da manhã ensolarada invadem o meu quarto através de uma pequena brecha na cortina. Insistem em abrir minhas - até então - lacradas pálpebras. Vencida pelo cansaço, resolvo ceder. Os flash's de memória aparecem de tal maneira que atordoam meus pensamentos. Tudo se mescla, há segundos em que não sei mais nem meu próprio nome. E sabe o primeiro sentimento que predomina a minha mente a cada manhã que insiste nascer? Medo. Medo de mim. Não me acho ruim, longe disso... Mas não consigo lidar com a inconstância das minhas emoções. Queria conseguir ser firme no que sinto com relação a mim mesma. Não é só a velha conhecida, a insegurança... É bem mais que isso. Um 'bem mais' que não consigo explicar nem pra mim mesma. Horas que eu sorrio sem razão, que confio em mim mesma, que tenho uma certeza quase cósmica de que as coisas vão se resolver na hora certa. E as - inexoráveis - horas que as lágrimas chegam sem pedir licença, por dentro, e logo querem toda a atenção. Assim exteriorizando-se olhos afora. Aquele desespero no peito... a incerteza de todo um futuro. E finalmente a palavra que faltava aqui: O Medo - Nosso ilustre companheiro. Sim, aquela velha história. Medo de nada dar certo, da minha pessoa estragar tudo e lá lá lá. Até eu me canso dessas mesmas coisas. Pior: Mesmas coisas, mas que, de alguma forma, são completamente diferentes! Me acho, me perco, amo, (penso que) odeio, tenho esperança, mando um 'dane-se' pra tudo, sou meiga, sou fria. Tento ser um mártir, enquanto não preciso ser. Não preciso guardar tudo pra mim, como sempre faço. Não preciso guardar minhas lágrimas e meus sorrisos pra mim mesma. É meio que um egoísmo não querer compartilhar o que quer tanto sair daqui de dentro.
Um dos maiores erros é questionar-se. O por quê de certas atitudes. O por quê de certas decisões. Não há nada nessa vida que tenha tais explicações. Não há motivos. Só pequenos impulsos. Acasos. Percepções. (Palpitações). Premonições. Há o destino, mas também os caminhos que nós próprios traçamos. Nem tudo são flores, nem tudo são revólveres. Mesmo que eu insista em fazer da vida um '8 ou 80', viver de extremos nunca caiu bem. Tem sim que haver um meio termo. Assim como questionava um amigo ontem, como podemos não descontar o mundo desmoronado em pessoas que nada tem com isso? E aí parei pra pensar que, nesse caso, não existe outra personalidade... não com quem não consegue 'não ligar'. Se esconder de pessoas diferentes das outras, isso sim é desafio. Fácil enganar até os que se julgam mais íntimos... triste ilusão deles. Incrível a capacidade de alguns seres humanos em mentir para si mesmos sobre outras pessoas. O 'querer acreditar'. Não passamos de uma pobre raça medíocre, que não sabe o que é amor. Que não sabe o que é união. O que sentimos são apenas sombras projetadas desses grandiosos sentimentos. Sempre acreditei na teoria de vida alienígena. E acredito também que eles não fizeram contato algum por serem inteligentes ao ponto de terem medo. Pois o medo é uma clara forma de inteligência (ir)racional. Auto-preservação. (...)

Finalmente chegamos ao final de Dezembro. Olho para 2010 e, pela primeira vez, não sei o que sentir. Não sei o que achar. Não consigo julgá-lo, ele foi mais complexo do que apenas 'bom' ou 'ruim'. Começou bom, continuou bom, tornou-se épicamente bom, alcançou um ápice da perfeição e então desmoronou. E durante meses... Não, eu não lembro dos meses. Não lembro das minhas lágrimas ou sorrisos. Nem sequer das esperanças ou desesperos lembro... Aquilo que uma amiga falava da própria vida acabou acontecendo com a minha, sem ao menos me dar conta. Situações traumáticas que bloqueiam lembranças. Os meses que arrastaram-se feito correntes, e que agora vejo que passaram 'hipersônicamente' rápido. E depois uma felicidade inusitamente estranha. Irônica. Improvável. Instável. Que eu realmente assumo, não acreditava. E que acaba por ser a mais duradoura que já tive. Em termos de persistência. Paciência. E mais mil coisas que devo ter aprendido nesse tempo. Para comigo. Para com as pessoas. Para com.
Estranho é ver o tamanho das expectativas que todos nós tínhamos pra esse ano. Que não foi um ano ruim... mas que mesmo assim, nos decepcionou além do esperado. Em infinitos aspectos. Não sei o que esperar de 2011. E acho que nem devo o fazer. Seja o que tiver que ser. Farei o que estiver ao alcance das minhas mãos, afinal, nada vem de graça. Mas que o destino se encarregue do resto - esperemos que seja um resto bom. Umas das maiores lições que conclui foi a de perdoar. Não tenho mágoas. (Embora perdoar não signifique esquecer) Não gosto mais de vinganças - quem diria. E desejo, como sempre, felicidade. Isso tudo é muito 'lei da atração'. À partir do momento que passei a levar as coisas com mais calma, mais leveza, e até com uma certa dignidade, minha cabeça ficou melhor. Mais forte, e mais sensível com as pessoas. E mesmo com uma parte do meu mundo insistindo em desmoronar, eu continuo sendo uma coluna impertinente que insiste em manter-se de pé. E digamos que impertinência é realmente uma palavra que não me falta - risos.
Então desejo que esse ano que correu tanto para chegar seja um bom ano. Sem demasiadas expectativas, mas com um 'querer' das coisas. Não apenas desejos, mas 'querer'. (Vide texto do post anterior). 2011, seja o que tiver que ser, seja bom para as pessoas. Seja bom pra mim. Seja bom para essa humanidade que precisa de doses de esperança, não de destruição. Embora eu ache que buscamos tudo isso que vem acontecendo, peço esperança. Confiança. E então amor. Afinal, o que somos nós sem amor? Em tudo que essa palavra engloba. Caridade, fraternidade, igualdade, amor para com amigos. Para com a família. Para conosco. Para com desconhecidos. E para com algum escolhido. Fé, muita fé. Porque cheguei a conclusão de que tudo é proveniente dela. Que o que parece impossível torne-se possível. E todo aquele resto que todos nós, meros mortais, falamos ao final de cada ano.

Adeus, meu caro 2010. Bem vindo, doce 2011.

Chico Buarque @ Roda Viva.

L'autre valse.

- O que se quer.

"Querer alguém, ou alguma coisa, é muito fácil. Mesmo assim, olhar e sentirmo-nos querer, sem pensar no que estamos a fazer, é uma coisa mais bonita do que se diz. Antes de vermos a pessoa, ou a coisa, não sabíamos que estávamos tão insatisfeitos. Porque não estávamos. Mas, de repente, vemo-la e assalta-nos a falta enorme que ela nos faz. Para não falar naquela que nos fez e para sempre há-de fazer. Como foi possível viver sem ela? Foi uma obscenidade. Querer é descobrir faltas secretas, ou inventá-las na magia do momento. Não há surpresa maior.
O que é bonito no querer é sentirmo-nos subitamente incompletos sem a coisa que queremos. Quanto mais bela ela nos parece, mais feios nos sentimos. Parte da força da nossa vontade vem da força com que se sente que ela nunca poderia querer-nos como nós a queremos. Querer é sempre a humilhação sublime de quem quer. Por que razão não nos sentimos inteiros quando queremos? É porque a outra pessoa, sem querer, levou a parte melhor que havia em nós, aquela que nos faz mais falta. É a parte de nós que olha por nós e nos reconcilia connosco. Quanto mais queremos outra pessoa, menos nos queremos a nós...
Querer é mais forte que desejar, pelo menos na nossa língua. Querer é querer ter, é ter de ter. Querer tem mesmo de ser. Na frase felicíssima que os Portugueses usam, "o que tem de ser tem muita força". Desejar tem menos. É condicional. Quem deseja, desejaria. Quem deseja, gostaria. Seria bom poder ter o que se deseja, mas o que se deseja não dá vontade de reter, se calhar porque são muitas as coisas que se desejam e não se pode ter todas ao mesmo tempo.
Querer é querer ter e guardar, é uma vontade de propriedade; enquanto desejar é querer conhecer e gozar, é uma vontade de posse. O querer diminui-nos, mas o desejar não. Sabemos que somos completos quando desejamos - desejamos alguém de igual para igual. Quando queremos é diferente - queremos alguém com a inferioridade de quem se sente incapacitado diante de quem parece omnipotente. O desejo é democrático, mas o querer é fascista.
O que desejamos, dava-nos jeito; o que queremos fez-nos mesmo falta. Mas tanto desejar como querer são muito fáceis. Ter, isto é, conseguir mesmo o que se quer é mais difícil. E reter o que se tem, guardando-o e continuando a querê-lo, tanto como se quis antes de se ter, é quase impossível. Há qualquer coisa que se passa entre o momento em que se quer e o momento em que se tem. O que é?
"Cada pessoa, - dizia Oscar Wilde, - acaba por matar a coisa que ama". Mata-a, se calhar, quando sente que a tem completamente. (...)
A verdade, triste, é que uma pessoa completa, a quem não falta nada, não é capaz de querer outra pessoa como deve ser. No momento em que se sente que tem o que quer, foi-lhe devolvida a parte que lhe fazia falta e passou a ter tudo em casa outra vez. Fica peneirenta, sente-se gente outra vez. É feliz, está satisfeita e deixou de ser inferior à sua maior necessidade. O ter destrói aquilo que o querer tinha de bonito. Uma necessidade ocupa mais o coração, durante mais tempo, que uma satisfação. Querer concentra a alma no que se quer, mas ter distrai-a. Nomeadamente, para outras coisas e outras pessoas que não se têm. (...)
É bom que se continue a julgar que aquilo de que se precisa é exterior a nós. Só quem está voltado sobre si, piscando o olho ao umbigo, pode achar que tem tudo o que precisa. (...)
Quando se quer realmente, dar-se-ia tudo por ter. A coisa ou a pessoa que se quer têm o valor imediato igual a todas as coisas e pessoas que já se têm. Trocavam-se todas as namoradas, ou todos os namorados, que já se namoraram, pelo namoro de uma única pessoa que se quer namorar. É esta a violência. É esta a injustiça. Mas é esta também a beleza. Quem aceitaria que um novo amor significasse apenas parte de uma vida? Não sendo a vida inteira, não sendo tudo o que importa, numa dada altura, num dado estado do coração, porque nos havíamos de ralar? (...)
O querer é bonito porque, concentrando-se na coisa ou na pessoa que se quer, elimina o resto do mundo. O resto do mundo é uma entidade muito grande que tem graça e tem valor eliminar. Querer um homem em vez de todos os outros homens, uma mulher em vez de todas as outras mulheres é fazer a escolha mais impossível e bela. Acho que se pode ter tudo o que se quer de muitas pessoas ao mesmo tempo, mas que não se pode querer senão uma pessoa. Ter todas as pessoas não chega para nos satisfazer, mas basta querer só uma, e não a ter, para nos insatisfazer. É por isso que se tem de dar valor à vontade. Poder-se-á querer ter alguém, sem querer também ser querido por essa pessoa? Eu não sei.
Como raramente temos o que queremos ter ou queremos bem ao que temos, é boa ideia dar uma ideia da atitude que se pretende. Em primeiro lugar, convém mentalizarmo-nos que querer é desejável só por si, pelo que querer significa. Quem tem tudo e não quer nada é como quem é amado por todos sem ser capaz de amar ninguém. Dizer e sentir "eu quero" é reconhecer, da maneira mais forte que pode haver, a existência de outra pessoa e de nós. Eu quero, logo existes. Eu quero-te, logo existo.
Em segundo lugar, ter também não é tão bom como se diz. Ter alguém ocupa um espaço vital que às vezes é mais bonito deixar vazio. (...)
Ter o que se quis não é tão bom como se diz, nem querer o que não se tem é assim tão mau. O segredo deve estar em conseguir continuar a querer, não deixando de ter. Ou, por outras palavras, o melhor é continuar a ser querido sem por isso deixar de ser tido. O que é que todos nós queremos, no fundo dos fundos? Queremos querer. Queremos ter. Queremos ser queridos. Queremos ser tidos. É o que nos vale: afinal queremos exactamente o que os outros querem. O problema é esse."

(Os Meus Problemas; Miguel Esteves Cardoso.)

U2 @ City of Blinding Lights.

Time.

Aprendizado. Tolerância. (Re)Elevação. Pa-ci-ên-cia. Palavras incontestavelmente fortes. Aquelas que mentalizamos à fim de catalisar-mos seus sentidos. A última delas, paciência, é - e sempre foi - o meu grandioso desafio. Ter controle sobre tal traço... A paciência é dádiva dos sábios. Logo, nunca foi um ponto forte da minha personalidade (risos). Mas 2010 foi - e é - um ano que exigiu o aprimoramento de vários pontos. Não preciso mencionar que a paciência foi primordial. Principalmente de Julho pra cá. Vejo tudo como teste e como "medidas de evolução". Correlacionado com isso, temos o aspecto da "adequação". Sempre fui adepta ao pensamento de que não devemos mudar nosso interior por ninguém, se não por nós mesmos. Com as páginas do tempo sendo viradas, amadureci a linha de raciocínio. Tanto que hoje a minha opinião resume-se em "adequação". O ato de adequar-se as mudanças que você julga serem, no mínimo, favoráveis. A partir do momento que escolhemos seguir por um caminho, sabendo suas devidas dificuldades, consequências, julgamentos... Tendo somente uma "ideia" da recompensa que espera-lhe ao final de tudo. Ou seria ao começo de tudo? Ah, o começo (...).

Fecho meus olhos, presenteio-lhes com a escuridão. E então retorno a vislumbrar tudo, exatamente como tenho feito nos últimos tempos, exatamente ao modo milimetricamente planejado como imagino. Cada detalhe. Cada respiração. Cada borboleta explorando meu estômago. Sinto o medo impregnar cada gota de sangue que corre em minhas veias. E quem disse que essa garota com seus - poucos - 18 anos, a que julgam ser forte feito um carvalho - e insensivelmente cruel feito um diamante - não chora? Oh sim, ela chora. E suas lágrimas traiçoeiramente frias molham seus longos fios de cabelo. As incompreesivas lágrimas. Ela (a garota) muitas vezes pega-se sentada em sua varanda, olhando o tempo virar mais algumas páginas. Nem ao menos sabe o que a espera, o que o futuro graciosamente preparou-lhe para o prato principal do jantar a se seguir. Muito menos o que os meses trarão com seus vários dias, inúmeras horas e infinitos minutos. Embora esse mundo de incertezas transtorne, até de maneira oblíqua, sua mente. Mesmo que isso a corroa feito um veneno, lenta e gradativamente. O antídoto está logo ali. Então retrocedemos a uma certa palavra, a uma adequação, a um traço, a uma dádiva, a um poder, a uma vitória: Paciência. Dar tempo ao próprio tempo. Manter o movimento retilíneo e esperar. Se as pessoas adequam-se a você, menina, adeque-se a elas reciprocamente. Por elas, por você. Se vale a pena insistir no que se quer, insista com inteligência. Intensidade. Vontade. Ardente desejo. Jogue para ganhar. Tenha os pés no chão e a cabeça no lugar (acima do pescoço, suponho.), mas não imponha condições a si mesma. E mais que isso: Nunca introduza um freio em seus sonhos. "Tudo o que existe, ou existiu, começou com um sonho." Continue lendo e escrevendo nas páginas do tempo, não perca o fôlego. E tenha paciência... E tenha fé... E sonhe... E ame. Ame muito. Recíproco.


Train @ Hey, Soul Sister.

Knock knock.

Feliz. A própria palavra já transforma pensamentos. E hoje me define. Ou pelo menos somente um pedacinho de tudo. Esse tudo pode sim ser arriscado, mas tenho sido tão feliz. Aprendendo a sonhar de novo, a passar por cima do passado. E mesmo assim, aprendendo a não ter sentimentos ruins para com o mesmo. Tudo caminhando propiciamente bem, sempre surpreendendo. É diferente, os ares são calmos... tranquilos. Os sentimentos sempre crescentes. Sonhos, planos, desejos, histórias, diferenças, mudanças, semelhanças. O universo cósmico, não é? Sinto-me livre, feliz. Leve. Com a esperança estampada no rosto. Dormir feliz, acordar feliz. E sonhar com mais felicidade ainda. Lembrar dos meus sonhos nada convencionais, rir de mim mesma. E simultâneamente notar o quanto mudei. Olho para tudo com um grau de maturidade que nunca sequer imaginei um dia ter nos meus - poucos - 18 anos. Tenho noção do risco, até de uma certa insanidade. Mas recuso-me a desistir por medo do incerto. Afinal, o que não é incerto? Fugir sempre foi uma alternativa covarde. Mesmo que o medo realmente exista, tenho ciência que pelo menos metade dele provém das minhas estúpidas inseguranças.

Chego até a ter vontade de rir de alguns pensamentos que cheguei a cogitar há alguns dias, com respeito a minha inconstante
personalidade. Incrível é a capacidade do ser humano de querer ferir o próximo. Seja por prazer ou dor. Não excluo-me disso, de maneira alguma. Mas incrível também é conseguir enxergar diferenças. Notório é o bem que certos fatos provocam. Chego a sentir orgulho da pessoa que me torno a cada dia que passa. Sabendo a imensidão de lições que ainda tenho que aprender, mas que chegarão todas em seus devidos tempos. Claro que nem tudo são flores (nunca, né), mas é vital continuar tendo força. Por mais que em alguns dias o mundo tente te colocar para baixo, que algumas pessoas insistam em ter atitudes ocasionadas por desânimo e negativismo. É continuar seguindo com a cabeça erguida, por mais que seja difícil.

Continuo sim tendo fé nos que me rodeiam, nos que ainda
ei de conhecer pelos caminhos tortos da vida. Continuo tendo fé em mim. E tendo fé em Deus. Coloco meu destino nas mãos Dele, para continuar me guiando, iluminando as escolhas que somente eu posso e poderei fazer. Esse ano foi definitivamente um ano de aprendizado, em diversos aspectos. E continuará sendo até o seu último suspiro. Já estamos na reta final de Outubro. Que remete-me ao fato de que estamos na melhor época do ano. A esperança inunda o meu ser, de ponta a ponta. Mesmo que em alguns momentos, insistentemente, eu queira colocar a venda da insegurança nos olhos. Aliás, devo ressaltar agradecimentos sem fim pela paciência que me rodeia. Acordo procurando ser melhor e a abandonar cicatrizes que não têm propósito em existir em mim. E que definitivamente não condizem com tudo que vem acontecendo.

Hoje sinto-me em paz, com um toque divino no coração.
Independente de qualquer crença, religião ou cultura. A fé é sempre a mesma, o Deus é sempre o mesmo. Aquela força maior, divina, que sempre estará presente no interior de cada um. Pronta para tirar qualquer pessoa do fundo do poço, pronta para lhe colocar novamente em um bom caminho. Nunca me imaginei escrevendo sobre isso, na verdade nunca me imaginei tão tranquila. Sentimentos bons atraem sentimentos bons. Não sinto mais ódio, muito menos desejo de vingança. Sinto felicidade. E sinto amor. Posso ser estúpida por não - querer - medir as consequências de minhas insanidades, mas isso é meu. Opto por ser assim e acho que nenhum sonho torna-se realidade sem uma pitada de ousadia e loucura.

"Anoiteça o que anoitecer, coração aberto."


Jack Johnson @ Better Together.

Burn.

Previsível. Completamente previsível. Em momentos que a vulnerabilidade avança sem deixar vestígios, acontecem os ataques. Mas para todo ataque há um contra-ataque. Como nunca fui boa em jogar War, logo não tenho métodos eficazes de estratégia. Então deixo tal contra-ataque na mão de quem tudo julga e tudo vê: Deus. (...)

Enquanto caminhava para casa, olhava para o vasto céu nublado. Sentindo o vento salgado, proveniente dos oceanos, cortar a minha pele. Com a visão embassada. Com os pensamentos desnorteados. Agora parece-me distante, mas no momento a dúvida corroía minhas delicadas ilusões. Na realidade, 'ilusões' não se aplica ao que quero expressar. Minhas delicadas filosofias. Sim, agora sim. Realmente cheguei a questionar-me se aquela era eu. E corri. Até meus pulmões exprimirem suas dores mais profundas, provocadas pela falta de fôlego e oxigenação correta. Eram dores múltiplas. A alma exprimia sua dor simultaneamente. E a razão... Diferente do que pensariam (até do que eu mesma pensaria), era só por um misto de narcisismo dilacerado com uma leve pitada de decepção. Mas uma decepção de constatação, que hoje é indiferente ao meu discernimento do que aconteceu. Nunca houve um conhecimento profundo, e sim um interesse oportuno - e esporádico.
Minha definição sempre provém do inverso. E o inverso não é incorreto - neste oblíquo caso. Confesso que senti-me tentada a ser previsível. Não. Constatei que, além de ser esse o propósito primário, minha alma não merece ser manchada por tais sentimentos ruins. Os mesmos que - como ensinados - ferem, destroem e exterminam. Os próximos - e a mim mesma. Sinto-me mais delicada do que nunca havia sentido em possibilidades remotamente parecidas. E mais humana. E, talvez, com a alma um pouco mais translúcida (...).

Chamas consomem tudo lenta e silenciosamente, em meio a escuridão proporcionada pela noite. O fogo reflete em meus olhos, consumidos pelo ardor da destruição. Enquanto observo minuciosamente o nascimento das cinzas, minh'alma torna-se leve. A cortina negativa que cegava-me havia sido destruída. Compreendi que, até então, havia sim agido de maneira nobre. Não só nobre... mas genuinamente afável. Apesar do - inevitável - breve pensamento forasteiro do desmerecimento verídico. E acabei, por fim, concedendo a minha própria liberdade para comigo. E posso sim, permanecer em estado de mutação permanente... Afinal, essa é a grande lei de viver onde vivemos. A mudança. E a imaculada essência de cada um.
A fria e silenciosa manhã aguardará as pegadas frescas na areia que beira o mar. E as águas infinitas do oceano já anseiam por sua recompensa fielmente esperada. Destino ou coincidência, acaso ou predestinação... O mundo continua girando. E a vida sempre dará suas voltas, não importando qual caminho o fizerem. Ou o tempo que levarem. O tempo (...).


Ólafur Arnalds @ Allt varð hljótt

Password: Afloat.

Infinitos raios de sol. Provenientes de somente um único raio solar, que está em sincronia com o prisma de cristal. Este que repousa sutilmente sob o rádio da cozinha. Nos raios de sol fico observando a dança dos flocos de poeira que dançam no ar. Lá fora um dia lentamente vai tomando consistência com o subir do Sol. Sento no parapeito da janela, observando o céu límpido e azul. Imersa em meus pensamentos oblíquos. Uma saudade corrói meu peito de maneira lenta, gradual e abusa. Fecho meus olhos e sinto uma sorrateira lágrima cortar meu rosto. Mas, ao mesmo instante, sinto uma mão assassinando-a. Não a minha mão fria... E sim uma mão calorosamente agradável. A mesma percorre todo o meu rosto, acaricia minhas - coradas - bochechas, desliza sob meus lábios e finalmente para, segurando meu queixo. Permaneço de olhos fechados. A mão o inclina. Subitamente sinto uma respiração aproximando-se cada vez mais de mim, até parar a 3 milímetros. Permanecemos no descrito estado por, aproximadamente, 10 minutos. Até que, com as pálpebras cerradas, assassino os 3 milímetros. Simultâneamente delicados lábios encontram-se com os meus. Abro meus olhos. Deparo-me com fervorosos olhos castanhos, juntamente com um sorriso estonteante. Passo minhas mãos diretamente para seus cabelos, entrelaçando meus dedos aos seus fios negros. Sinto sua outra mão brincando com uma mecha do meu cabelo liso. Minhas mãos deslizam para o seu rosto, sentindo sua barba crescendo em 2º estágio - o meu preferido. Acaricio os macios lábios com a ponta dos dedos, fazendo desenhos com as unhas vermelhas. Repentinamente, ele aproxima-se até meu ouvido e sussurra irresistivelmente as palavras que esperei tanto para ouvir novamente. "Como senti sua falta, An." Seguro seu rosto firmemente entre as mãos e falo o que sempre me faz corar ao dizer. "Não vá embora novamente então." Sua mão, que continuara em meu queixo, puxa-me decisivamente para junto de si. Sinto novamente meus lábios contra os seus, intensa e fervorosamente. Queria que isso durasse até o fim de meus dias, como de costume. Que Mark estivesse para todo o sempre aqui, comigo. Ele ri, o que arranca-me dos pensamentos clichês - risos. Passo a olhá-lo interrogativamente. Até que ouço "Sério, An, como vives sem mim?" Dou uma alta gargalhada e faço menção de levantar, até que -previsivelmente - sinto suas mãos envolverem minha cintura e puxando meu corpo contra o seu. No que resultou em nós dois caindo no chão. Rindo mais do que é possível descrever. E ele sussurra entre gargalhadas: "Boba, eu não vivo sem você também." Tenho mais 2 dias para desfrutar das mais belas palavras clichês. O Sol envolve-nos enquanto sou bombardeada com perguntas entusiasmadas sobre a minha semana e enquanto sua mão me puxa rua abaixo. "An, você está me ouvindo?" - pergunta ele rindo. Não respondo. Sorrio, solto-me de sua mão e dou 10 passos para longe. "Comece a refletir mais, caro Mark" Corro, rindo alto, ouvindo passos e risadas correndo mais rápido que eu. Refletindo...

Annie.


Jason Mraz @ I'm Yours.

Undisclosed desires.

E Agosto chega ao fim. Setembro aproxima-se sorrateiramente, trazendo consigo o tão conhecido ar de 'começo do final do ano' - e, é claro, com ares de feriado. Acho divertido (agora) como realmente a vida é uma caixinha de surpresas, como já bem dizia Joseph Klimber - risos. O que se julgava (admito, às vezes ainda se julga) insuportável, lentamente encaminha-se para zonas distantes. Como meteoros. Que nos desesperam antes mesmo do ocorrido, no exato instante e quando desembarcam em seu destino final. Porém, após o incidente, tudo retorna ao parâmetro considerado normal. Saindo de meteoros e indo para outro cantos do universo, mais uma vez os ventos mudam a posição do Galo do Vento - vulgo, Anemômetro. E como nunca aprendo minhas lições de vida - mesmo fazendo os deveres de casa - firmemente definidas, aposto na roleta russa novamente. Arriscando, novamente. Ultimamente meu extremo pessimista vem tentando de forma insistente introduzir uma pitada de juízo na minha - insana - cabeça. Contudo, prezando o nome que tenho a zelar, consigo prosseguir com as minhas loucuras. (O que tenho na cabeça?! Veja bem o que estou cogitando...) Já que é para ser insana, que seja direito. E, evidentemente, que o Universo Cósmico sopre seus bons ventos. O lado ruim dos acontecimentos - além do óbvio - são meus traumas, cada vez mais perturbadores. Que ao menos desta vez possuem fundamentos altamente válidos. Assumo, me entrego: Tenho um medo avassalador. Não tenho mais ciência do que ainda poderei suportar. Mas algo que me sustenta nesse ágætis byrjun é, justamente, a visão geral desde Novembro/09 até os dias de hoje. E ela não é ruim, e sim favoravelmente crescente. Apesar dos pesares, tudo tem melhorado sim (tirando os dias em que entro nas famosas crises existenciais). Tenho me controlado bastante e tomado atitudes que causam orgulho geral - principalmente para mim. Chega a ser assustador ver de tão perto que realmente o mundo dá voltas - como dá! Umas mais rápidas, outras precisamente demoradas. Demoradamente necessárias para realizarem-se numa perfeita simetria. E mesmo com infinitos poréns, persisto em ser estúpida o suficiente para continuar tendo minhas majestosas esperanças. Certa vez li em algum lugar - o qual não me recordo - um pensamento completamente verídico. Segue o mesmo, que era algo parecido com isso: "Todos querem sempre felicidade. Ninguém quer a dor. Mas você não pode ter um arco-íris sem um pouco de chuva antes."
E um fato à ser dito: Nunca tive receio de me molhar.


Sigur Rós @ Untitled 3

Corando, coroando, colorindo & rindo.

Imponho-me a condição. Condiciono-me a imposição. Ando com o sonho. O olhar insiste em ser tristonho. Me imponho. Me exponho. Os lábios querem sorrir. A vida, progredir. De maneira serena. Mas não se detenha. É apenas uma resenha. O sol quer raiar. Olhar, pra quê chorar? Todo amor do mundo. Ir até o fundo. Sempre junto. Passos para frente. A gente. Pensar em dizer. Viver, viver, viver. Sempre pra crer. O calor. Sem pudor. Com amor. Surgindo o vapor. Fundando seus trilhos. Construindo abrigos. Convivendo com o abandono. Vivendo sem dono. Ou vivendo com sono? Abrindo a janela. Pulando por ela. Vivendo como uma abelha. Quebrando a telha. Sem eira e nem beira. Mexendo a caldeira. Sentando numa cadeira. Sem razão. Com opção. Entortando a flor. Provando a dor. Criando a cor. Estar saindo. Sorrindo. Tudo lindo. Todos vindo. Nós indo. Sem solidão. Cadê o perdão? Mostrando o dedão. Abrindo o coração. Dizendo não. Contradição? A emoção de ser feliz. Sim, pode pintar o seu nariz. Eu sempre quis. Dizer "Eu fiz.". Cortar o mal pela raiz. "Um eterno aprendiz." Me diz. "Posso te fazer feliz?" Se você diz. Eu sempre te quis. Roubei seu nariz. Eu gosto de mim. Dentro do jardim. Vendo tim tim por tim tim. "Por essa estrada mundo afora ir embora, sem sair do meu lugar." Andar. Corar. Amar. Um beijo (e um queijo). Um abraço. Como laço. No compasso. Eu faço. Passo a passo. Em um brilho. Como um grilo. Sem nenhum pingo. Comigo. Nem ligo. Me liga? Sem briga. Mais que lisa. Desliza. Uma sina. Ser tua. Feito a lua. Água. Nua. Crua. Tua. Te libertar. Me soltar. Ter um solar. Finalmente sentar. Nunca se ausentar. Jamais largar. Corpos. Feito lobos. Com copos. A dança dos loucos. Um pouco. Até ficar rouco. Gritar. Falar. Sussurrar. Arranhar. Correndo. Prometendo. Sempre se escondendo. Pra voltar. Olhar. Cantar até não dar. Entrelaçar as mãos. Num balanço. Não canso. No banco. Com tango? Dançando. Olhando. Trocando. Refletindo. Indo. Em ti confiando. Em mim, abraçando. Balançando. Com um canto grande. Vendo crocodilo Dundee. Vamos, ande! Querendo sorrir. Não nos deixe cair. Tem que partir? Mon petit. No final do ano. Veja bem. Meu bem. Somos todos um alguém. Talvez eu seja uma refém. E há sempre um porém. Como um final. Parados no sinal. Em meio a Aurora Boreal. Tão surreal. Num ato excepcional . Olhando o que se torna real. Deitado. Calado. Ao lado. Completamente parado. Inusitado. Entrelaçados em meio os lençóis. Com anzóis. Nós. Para nós. Após. Num ritmo veloz. Intenso. Com documento e sem lenço. Denso. Penso. Acabou. Afundou. Levantou. Contigo estou. Contigo eu vou. Levantando voo.

Los Hermanos @ De Onde Vem a Calma.

Where's the password?

Potes de biscoito. Intrigantes potes de biscoito. Guardo vários tipos de potes de biscoito, todos expostos em minha cozinha aconchegante. Geralmente ao olhar cada um deles, metodicamente, a infância invade minha mente. Rodopiando lembranças, emoções, nostalgias. Saudade. Aquela palavra cujas traduções nunca vieram a existir. E aquela palavra que mais me machucou na vida (ainda machuca - silêncio). Olho pela janela, 5 andares separam-me do chão. Ouço o pão pulando na torradeira. Já são 9 horas, mas o tempo nublado, chuvoso e frio trouxe-me uma simpática gripe. Sinto cheiro de minhas torradas recém-prontas. Aquele cheiro que lembra os desenhos de quando éramos crianças - geralmente Pica-Pau - nos quais aparecia aquela mão com dedos sedutores, feita com a fumaça quase incolor proveniente dos alimentos apetitosamente frescos. Ainda visto meu pijama flanelado com meu roupão azul turquesa - e pretendo tomar meu banho e permanecer do mesmo modo depois. Levo minhas torradas - agora pinceladas com manteiga derretida - junto à minha xícara de café, fresco e quente, até a poltrona listrada que descansa junto a janela. Um feixe de sol surge bem ao meio dela. Propício, não? Ainda vejo minhas 2 pedrinhas na mesinha de chaves ao lado da porta. Elas me encaram, fitando meus olhos adentro. Desvio o olhar, mas é tarde demais. As 2 pedrinhas já alcançaram seu objetivo eminente. Pousei a xícara na janela e apoiei meu queixo sobre a própria. Fecho meus olhos e vejo um jardim japonês. Abro os olhos e o sol invade meu interior, sem ao menos pedir permissão. Fecho meus olhos e vejo a mim, pulando para atravessar um caminho de pedras. Olhando para trás e rindo - feito uma criança - envergonhada. Recebendo em troca um outro sorriso - juntamente com um olhar - iluminado de alegria. Abro os olhos e minha vista encontra-se embassada. Fecho os olhos e vejo o topo de dois conjuntos de bambus. Abro os olhos de maneira brusca e começo a desmanchar de maneira lenta, vaga e dolorosa. Esfrego as mãos em meu rosto, termino meu café e deito-me desajeitadamente no sofá. Com as mãos escondendo o rosto - ainda. Abaixo as mãos, olho para o teto amarelo. Meus batimentos cardíacos retornam para seu estado tranquilo, conforme os minutos transcorrem. Fecho os olhos. E nós continuamos dançando.
Just 'cause you feel it, doesn't mean it's there...

Annie.


Radiohead @ There There (The Boney King Of Nowhere)

Fences.

Flutuando entre devaneios, sob meus sonhos, abaixo de várias (des)ilusões. Encontro-me pairando no meio de uma sala branca. Nela existem todas as incertezas que, geralmente, só eram vistas em minha mente - insana. Também estão aqui representados os meus desejos mais profundos, meus sonhos ainda imaculados. Inclusive os sonhos que nem eu mesma tinha devido conhecimento. Olho para os lados, vislumbro algo que aparenta ser uma linha do tempo, semelhante às representações dos professores de História em suas aulas. Chego a me sentir desorientada com a junção de tantos pontos que são provenientes do âmago de minha vida. Vejo onde se encontra o meu passado. Um pilha de caixas embolaradas, devidamente lacradas, em um canto obscuro da sala. Dirijo-me à elas e vejo um pequeno bilhete repousando em cima de uma delas. O qual continha a minha caligrafia regular - talvez um pouco mais aprimorada. Uma mensagem me alerta: "Tenha quanta curiosidade que desejar, abra e veja todo o conteúdo, se assim o desejar. Mas não poderás danificar - e muito menos levar - qualquer lembrança.". Olho para um passado cujo não conheço mais com tanta perfeição. Mas com conhecimento suficiente para não sentir saudades. E, na realidade, sem qualquer interesse de visualiza-lo, nem forma remota. Seria hipócrita de minha parte se negasse que desejo ardentemente queimar tal caixa que contém esse passado. Mas, como dito anteriormente, não estou autorizada a fazer tal inexorável - ou não - ato. (...)

Esfregar os olhos para espantar o sono. Enxugar os olhos para interromper o fluxo crescente de lágrimas. Pingar mil & um tipos de colírios à fim de limpar/curar os olhos. Tampar os olhos com as mãos para acabar com a dor provocada pela luminosidade do sol. Arregalar os olhos para manifestar surpresa. Estreitar os olhos para demonstrar dúvida/desconfiança. Piscar de maneira exclusivamente feminina para pedir algo à alguém. Fechar os olhos para pensar/dormir/descançar/flutuar. * Sorrir com os olhos. Transmitir sentimentos límpidos atravéz dos olhos. Olhar outros olhos minuciosamente. Olhos, olhares, olhos, olhar, olhando. Escuros misteriosos, castanhos gentis, claros/cristalinos intimidadores. Olhos. A porta de entrada para a estadia em outro ser vivo, em outra alma. Cumplicidade por olhares. E estrelas. Sim, estrelas. Aquelas que renovam cada olho existente. Sempre estrelas.


Just for tonight we'll keep on dancing...


Manna Mariam @ Just for Tonight (feat. Ville Valo)

Password C688.

Eu deveria dar mais ouvidos ao que Lisa me diz. Somente depois do que faço, e da chegada das consequências, é que percebo que as palavras nem sempre doces de Lisa faziam completo sentido. Hoje recebi uma carta de um fantasma de um passado distante. Percebi que em meio a expressões de opinião, aquela costumeira preocupação que já me é tão familiar não conseguiu ser camuflada. Comecei a lembrar de cartas antigas e emboloradas que estão numa caixa, no fundo de uma gaveta na cabeceira. De um passado mais distante e profundo ainda, repleto de ironias. Estranho é lembrar sem saudades. É a realidade. Somente fantasmas.

Os dias tem passado de forma ligeira - até demais. Agosto nos trás à tona um sentimento ainda mais intenso e vívido de nostalgia. Com certos momentos que até nos transportam para outro tempo - juntamente com outras pessoas. Aliás, ultimamente venho percebendo que Henry lentamente transforma-se em um fantasma. Mesmo de maneira hesitante, estou permitindo a sua partida. Para fora de mim, assim como deve ser. Tenho plena (cons)ciência de que, por mais inexorável que seja, é a decisão com maior grau de coerência que eu poderia ter em mãos. A vida ainda está longe de ser justa e/ou fácil. E, na realidade, creio que morrerei antes de proferir tal frase em sentido contrário. Mas ainda possuo fé suficiente para acreditar que alguns fatos podem - e vão - melhorar. Mesmo que a minha estúpida e obtusa mente só os perceba tempos depois. Afinal é o que acontece de maneira - quase - perpétua, não? Ouço meu telefone tocar na sala. Não preciso atendê-lo para saber quem chama, e para quê chama. Mas, desta vez, sequer atenderei. Não consigo aceitar mais convites para tomar um café - mesmo que este seja o meu preferido. Para quê? Para brincar com mais um humilde ser humano? Sim, eu deveria acreditar em Lisa quando ela diz "Annie, você não é mais dona do seu coração. Ele sequer reside dentro de si.". Não possuo mais o meu coração, mas também ninguém o tem. Estrelas. Somente as estrelas tem o devido direito sob o meu órgão vital pulsante. Apenas elas são previamente autorizadas a arrancar aquele brilho de meu olhar. Olhe para as estrelas, olhe como elas brilham para você...

Se a fé move montanhas, por que não corações?

Annie.


Dario Marianelli @ Your Hands Are Cold.

The fame monster.

Monstros. Quando crianças temos medo de deixar a porta do armário aberta, medo de pegar um copo d'água na geladeira durante a noite. Sempre nos disseram que haviam monstros em todos esses lugares. Conforme os anos passam, percebemos que na realidade os monstros existem também durante o dia. Que eles não são seres de outro planeta. Não. Estamos convivendo com os mesmos, sem perceber. Conforme nossa vida segue eles aparecem, revelam-se. Nunca sabemos onde, quando e nem porque aparecem. Mas uma hora nos deparamos com monstros.
A vida não está sendo fácil. Aquela costumeira calma que pairava aqui por perto foi brutalmente assassinada. E tudo muda com tanta rapidez... Já fazem 4 meses que consegui voltar para onde tanto queria. Eu já sabia possuía consciência de que não seria fácil, e que isso era um preço válido à se pagar. Mas, como de costume, nunca nos encontramos prontos para mudanças. Nunca. A ironia da vida continua a andar de mãos dadas comigo. Passarei a valorizá-la. Tentar provocar felicidade, para talvez poder senti-la depois.

A dança das folhas continua imparcialmente. E elas abandonam as árvores. E elas voam, conforme a vontade dos ventos. Sempre numa dança conjunta. Vital. E elas voam... Até repousarem. Não mortas. Com vida suficiente para serem delicadamente vermelhas, absurdamente magníficas. Colorindo paisagens. Fazendo viagens até lugares imaginários. E levantando vôo novamente, até acharem seu devido destino para o adorável descanso final. Folhas.


MGMT
@ The Youth.

Password C707.

Correndo. Todos os meus músculos se contraem a medida que continuo correndo. Minha respiração permanece ofegante. Chuva. A chuva só aumenta. Sinto meu corpo completamente enxarcado. Com meu jeans e minha blusa de alça quase acoplados em mim. Olho para o céu, está escurecendo. Preciso correr mais rápido. Já prevejo o discurso de Lisa quando me ver assim: 'Eu avisei para você ficar em casa, Annie. Disse-lhe que tudo estava - na verdade ainda está - contra você e essa tua petulância.'.
Fui petulante - e fraca - pelo que julgava ser um grande motivo. Estava completamente equivocada. Henry não é a mesma pessoa, não o conheço mais. Acho que nunca acreditei que alguém tão doce e gentil pudesse se transformar em um ser frio, inanimado e sem sentimentos. Sabes o que é pior? Por ter sido estúpida em supor que seria diferente, não terminei somente de perder razão de felicidade. Joguei fora aquele que começara a se tornar importante, George. Como sempre, Annie fere-se com o que não presta e machuca quem possuia devido valor real. Continuo correndo, mesmo tendo ciência de que já não adianta. E presumo que é melhor dessa forma. A tendência é sempre que as pessoas machuquem-se ao meu lado. Então que eu permaneça com minha solidão particular. Até aparecer alguém que me agrade, que venha correr ao meu lado na chuva. E que, provavelmente, desapareça após isso. Claro, meu interior espera que isso mude. Uma hora ou outra. Mas sei - apenas por saber - que outros Henry's e George's vão surgir do nada e mudar tudo. Prossigo, sem saber o que o futuro me reserva, mas sabendo que o meu café com gotas de menta estará me esperando na bancada da minha cozinha. E, desta vez, ainda quente.

Annie.

Soundgarden @ Black Hole Sun.

Another dance.

Escrever. Na verdade, digitar. Desde Abril não o faço... prefiro não lembrar do meu último post que escrevi aqui, nessa mesma cadeira, numa tarde nublada e fria. Apesar de um fato levar ao outro. É um ciclo... sempre voltamos ao mesmo ponto. Razão. Insanidade. A segunda palavra contém mais sentido, sim. Insanidade... Chega a ser uma auto-afirmação. Ou seria uma auto-definição? Não sei mais. Para dizer a verdade, não encontro nada que possua coerência para escrever. Afinal, como algo coerente pode sair de uma pessoa que não sabe agir de acordo com esse termo?

Os último tempos têm sido confusos. Frios. As lembranças (assim como eu previa antes de tudo isso) insistem em andarem mescladas comigo. Era isso que eu temia antes mesmo de acabar o que nem ao menos comecei. Voltar de um lugar - que só deveria me trazer felicidade - com a alma em pedaços. Sentir lágrimas atravessando o meu rosto pelo simples fato de um jorro de lembranças que invadem a mente, sem a minha permissão. Milhões de assuntos pendentes. Resolvo um, surgem 3. Quando chego ao final da lista de pendências... restam-me 2. Sendo que uma delas era uma ferida aberta. Daquelas que qualquer deslize provoca uma infecção. E existem vezes que de nada adianta um cuidado excepcional. Chegamos a pensar que já está tudo bem, que só existe uma cicatriz agora. Quanto engano... sinto-me cega. Só descobrimos que uma ferida permanece aberta quando tocamos nela, não importando o quão delicadamente seja. E pior que isso (saindo das metáforas), quando nos deparamos com estranhos. Completos estranhos. Acho que nunca entenderei as pessoas, a forma com que elas agem para com seus semelhantes. Como elas podem ter mais de uma personalidade. E isso chega a causar um sentimento, o qual não tem definição ou nome. Um misto de.. descaso com mentira. Essa palavra dói: Men-ti-ra. E me remete a outra ainda mais cruel. Ilusão. Sim, essa se encaixa com perfeição. Confesso que eu nunca esperaria receber palavras num tom frio, e até ríspido em certas frases. Não acreditei que era possível estar presenciando uma mudança tão drástica de alguém que já me foi tão doce e importante. Leio históricos que mais parecem livros. Não encontro uma explicação sequer. Sim, sei que devo aceitar as palavras de explicação que me foram concedidas. E também tenho ciência de que, no final, serão elas que irão afastar essa ilusão. Ou seria alusão?

De fato, nunca estaria preparada para o que eu forcei a acontecer essa semana. Mas não me arrependo. Como já me disseram anteriormente, certas coisas só são resolvidas quando acontece um choque de realidade. Uma bofetada da vida que te faz acordar de um sonho que virou pesadelo. E é isso que te faz prosseguir. Que lhe devolve aquela força que nenhum de nós sabe da onde surge. De nada adianta você ouvir trilhões de pessoas dizerem que o certo é deixar o passado no passado. VOCÊ terá que se dar conta disso sozinho. É de sua própria vontade escolher viver do passado ou buscar um novo futuro, por mais que seja inexoravelmente difícil. O que me preocupa atualmente não é mais isso... Mas sim a consequência que esse choque de realidade vai causar ainda mais. Não acho justo as pessoas que estão a minha volta pagarem pelas minhas decisões. Embora eu não veja outra solução, por hora. A frieza vai aumentar, a fortaleza que envolve meus sentimentos mais delicados e profundos há de se tornar algo ainda mais rígido e sólido. Preciso de um espaço seguro para poder reconstruir o que foi demolido de uma hora pra outra. O receio predominante é que, com cada um desses meus capítulos encerrados, a fé acabe deteriorando. E, consequentemente, vá perdendo pedacinhos da minha essência. Ainda tenho minhas esperanças, é claro. Mas não passam de algo remoto. Preciso de um tempo pra mim, sozinha. Não quero mais envolver ninguém nos meus problemas e dramas. Não acho justo. E sei que não é. E ao mesmo tempo sei que não é justo eu acabar me fechando de tal maneira absurda. Sei que é escolha minha. E sei que é extremamente provável que isso ocasione sérias consequências. Que desculpas não serão suficientes. Nunca são. Sinto-me num estado de sonambulismo constante. Vivendo e, ao mesmo tempo, não tendo consciência do/de que estou vivendo. Jogaram um copo de água fria em meu rosto, assim finalmente acordei. O choque vai passar. E a vida sempre continua... até a divina segunda ordem, ela continua.

Eu continuo.


Dario Marianelli @ Your Hands Are Cold

Password C683.

Surreal. Inexorável. Minha expressão não consegue omitir tamanha perplexidade que me foi causada com a chegada do correio matinal. Em plena - e ensolarada - terça-feira, meu - que nunca foi realmente meu - Henry decide por livre e espontânea vontade cumprir suas palavras de um passado que não nos pertence mais. "Mandar-te-ei uma carta, escrita à próprio punho, dando-lhe todas as explicações que vais cobrar um dia.". Passo meus dedos finos e longos pelo envelope, acariciando as marcas da tinta preta, desenhando delicadamente sua perfeita caligrafia. Olho através da cortina entreaberta o raio de sol que ilumina exatamente o lugar em que me encontro sentada, em meu sofá azul turqueza (...).

Um barulho irritantemente forte perfura meus pensamentos. Badaladas. 10 badaladas. Olho para baixo e deparo-me com as próprias mãos entrelaçadas ao vestido amarelo que coloquei assim que acordei. Devaneios. Sempre crueis, sempre pontuais. Meus olhos ardem. George me aguarda no café, há 6 minutos. Pego minhas chaves, tranco a porta, aciono o alarme. Aciono o alarme da minha mente instável, simultaneamente. Dirijo-me ao caminho oposto, e sinto George se afastando lentamente... sinto meu café com delicadas gotas de menta esfriando. Comigo, simultaneamente.

Annie.


Radiohead @ Last Flowers.

Last song.

Para uma avenca partindo.

Olha, antes do ônibus partir eu tenho uma porção de coisas pra te dizer, dessas coisas assim que não se dizem costumeiramente, sabe, dessas coisas tão difíceis de serem ditas que geralmente ficam caladas, porque nunca se sabe nem como serão ditas nem como serão ouvidas, compreende? olha, falta muito pouco tempo, e se eu não te disser agora talvez não diga nunca mais, porque tanto eu como você sentiremos uma falta enorme dessas coisas, e se elas não chegarem a ser ditas nem eu nem você nos sentiremos satisfeitos com tudo que existimos, porque elas não foram existidas completamente, entende, porque as vivemos apenas naquela dimensão em que é permitido viver, não, não é isso que eu quero dizer, não existe uma dimensão permitida e uma outra proibida, indevassável, não me entenda mal, mas é que a gente tem tanto medo de penetrar naquilo que não sabe se terá coragem de viver, no mais fundo, eu quero dizer, é isso mesmo, você está acompanhando meu raciocínio? falava do mais fundo, desse que existe em você, em mim, em todos esses outros com suas malas, suas bolsas, suas maçãs, não, não sei porque todo mundo compra maçãs antes de viajar, nunca tinha pensado nisso, por favor, não me interrompa, realmente não sei, existem coisas que a gente ainda não pensou, que a gente talvez nunca pense, eu, por exemplo, nunca pensei que houvesse alguma coisa a dizer além de tudo o que já foi dito, ou melhor pensei sim, não, pensar propriamente dito não, mas eu sabia, é verdade que eu sabia, que havia uma outra coisa atrás e além das nossas mãos dadas, dos nossos corpos nus, eu dentro de você, e mesmo atrás dos silêncios, aqueles silêncios saciados, quando a gente descobria alguma coisa pequena para observar, um fio de luz coado pela janela, um latido de cão no meio da noite, você sabe que eu não falaria dessas coisas se não tivesse a certeza de que você sentia o mesmo que eu a respeito dos fios de luz, dos latidos de cães, é, eu não falaria, uma vez eu disse que a nossa diferença fundamental é que você era capaz apenas de viver as superfícies, enquanto eu era capaz de ir ao mais fundo, você riu porque eu dizia que não era cantando desvairadamente até ficar rouca que você ia conseguir saber alguma coisa a respeito de si própria, mas sabe, você tinha razão em rir daquele jeito porque eu também não tinha me dado conta de que enquanto ia dizendo aquelas coisas eu também cantava desvairadamente até ficar rouco, o que eu quero dizer é que nós dois cantamos desvairadamente até agora sem nos darmos contas, é por isso que estou tão rouco assim, não, não é dessa coisa de garganta que falo, é de uma outra de dentro, entende? por favor, não ria dessa maneira nem fique consultando o relógio o tempo todo, não é preciso, deixa eu te dizer antes que o ônibus parta que você cresceu em mim de um jeito completamente insuspeitado, assim como se você fosse apenas uma semente e eu plantasse você esperando ver uma plantinha qualquer, pequena, rala, uma avenca, talvez samambaia, no máximo uma roseira, é, não estou sendo agressivo não, esperava de você apenas coisas assim, avenca, samambaia, roseira, mas nunca, em nenhum momento essa coisa enorme que me obrigou a abrir todas as janelas, e depois as portas, e pouco a pouco derrubar todas as paredes e arrancar o telhado para que você crescesse livremente, você não cresceria se eu a mantivesse presa num pequeno vaso, eu compreendi a tempo que você precisava de muito espaço, claro, claro que eu compro uma revista pra você, eu sei, é bom ler durante a viagem, embora eu prefira ficar olhando pela janela e pensando coisas, estas mesmas coisas que estou tentando dizer a você sem conseguir, por favor, me ajuda, senão vai ser muito tarde, daqui a pouco não vai mais ser possível, e se eu não disser tudo não poderei nem dizer e nem fazer mais nada, é preciso que a gente tente de todas as maneiras, é o que estou fazendo, sim, esta é minha última tentativa, olha, é bom você pegar sua passagem, porque você sempre perde tudo nessa sua bolsa, não sei como é que você consegue, é bom você ficar com ela na mão para evitar qualquer atraso, sim, é bom evitar os atrasos, mas agora escuta: eu queria te dizer uma porção de coisas, de uma porção de noites, ou tardes, ou manhãs, não importa a cor, é, a cor, o tempo é só uma questão de cor não é? por isso não importa, eu queria era te dizer dessas vezes em que eu te deixava e depois saía sozinho, pensando também nas coisas que eu não ia te dizer, porque existem coisas terríveis, eu me perguntava se você era capaz de ouvir, sim, era preciso estar disponível para ouvi-las, disponível em relação a quê? não sei, não me interrompa agora que estou quase conseguindo, disponível só, não é uma palavra bonita? sabe, eu me perguntava até que ponto você era aquilo que eu via em você ou apenas aquilo que eu queria ver em você, eu queria saber até que ponto você não era apenas uma projeção daquilo que eu sentia, e se era assim, até quando eu conseguiria ver em você todas essas coisas que me fascinavam e que no fundo, sempre no fundo, talvez nem fossem suas, mas minhas, e pensava que amar era só conseguir ver, e desamar era não mais conseguir ver, entende? dolorido-colorido, estou repetindo devagar para que você possa compreender, melhor, claro que eu dou um cigarro pra você, não, ainda não, faltam uns cinco minutos, eu sei que não devia fumar tanto, é eu sei que os meus dentes estão ficando escuros, e essa tosse intolerável, você acha mesmo a minha tosse intolerável? eu estava dizendo, o que é mesmo que eu estava dizendo? ah, sabe, entre duas pessoas essas coisas sempre devem ser ditas, o fato de você achar minha tosse intolerável, por exemplo, eu poderia me aprofundar nisso e concluir que você não gosta de mim o suficiente, porque se você gostasse, gostaria também da minha tosse, dos meus dentes escuros, mas não aprofundando não concluo nada, fico só querendo te dizer de como eu te esperava quando a gente marcava qualquer coisa, de como eu olhava o relógio e andava de lá pra cá sem pensar definidamente e nada, mas não, não é isso, eu ainda queria chegar mais perto daquilo que está lá no centro e que um dia destes eu descobri existindo, porque eu nem supunha que existisse, acho que foi o fato de você partir que me fez descobrir tantas coisas, espera um pouco, eu vou te dizer de todas as coisas, é por isso que estou falando, fecha a revista, por favor, olha, se você não prestar muita atenção você não vai conseguir entender nada, sei, sei, eu também gosto muito do peter fonda, mas isso agora não tem nenhuma importância, é fundamental que você escute todas as palavras, todas, e não fique tentando descobrir sentidos ocultos por trás do que estou dizendo, sim, eu reconheço que muitas vezes falei por metáforas, e que é chatíssimo falar por metáforas, pelo menos para quem ouve, e depois, você sabe, eu sempre tive essa preocupação idiota de dizer apenas coisas que não ferissem, está bem, eu espero aqui do lado da janela, é melhor mesmo você subir, continuamos conversando enquanto o ônibus não sai, espera, as maçãs ficam comigo, é muito importante, vou dizer tudo numa só frase, você vai ……… ………… …………. ………… ………. ……….. …………. ………… ………… ………… ……… ……….. ………… ………… sim, eu sei, eu vou escrever, não eu não vou escrever, mas é bom você botar um casaco, está esfriando tanto, depois, na estrada, olha, antes do ônibus partir eu quero te dizer uma porção de coisas, será que vai dar tempo? escuta, não fecha a janela, está tudo definido aqui dentro, é só uma coisa, espera um pouco mais, depois você arruma as malas e as botas, fica tranqüila, esse velho não vai incomodar você, olha, eu ainda não disse tudo, e a culpa é única e exclusivamente sua, por que você fica sempre me interrompendo e me fazendo suspeitar que você não passa mesmo duma simples avenca? eu preciso de muito silêncio e de muita concentração para dizer todas as coisas que eu tinha pra te dizer, olha, antes de você ir embora eu quero te dizer quê.

(Caio Fernando Abreu)

Password C651.

Sentada a janela, sinto os trilhos percorridos por este trem. Encosto meu rosto ao vidro gelado, que retrata a imensidão da neve lá fora. Ao fechar os olhos lembro-me de cada detalhe do rosto de Henry. O desenho de seus olhos, a expressão dos mesmos ao encontrarem os meus. As ruguinhas de expressão que formavam-se ao lado deles quando um sorriso era esboçado. O jeito deliberadamente singelo e carinhoso com que eu era observada. Sinto meu coração desmanchar-se inteiramente. Lembro como se estivesse ocorrendo nesse instante, a voz dele indagando-me: 'O que foi, Annie?'. Só pelo fato de meus olhos não conseguirem desvencilharem-se dos seus, por toda a minh'alma ficar paralisada no tempo só para poder continuar observando-o minuciosamente. E a minha pessoa responder-lhe que não era nada, enquanto o meu pensamento analisava a maré de sorte que estava em minhas mãos, ao alcance do meu olhar - e de minhas palavras. Abro meus olhos, encontro-me congelada junto ao vidro, não sozinha... George dorme profundamente em meu ombro. E mesmo não fazendo ideia se Henry sequer dará algum sinal de vida, um pedaço de minha melhor essência estará com ele, mesmo que guardado sem o seu consentimento. Não consigo odiá-lo, não consigo deixá-lo partir. Essa é uma inexorável contradição. Infelizmente, hoje, Henry não passa de uma memória. Que de tão imaculada me parece mais uma ilusão, um devaneio. Ou talvez um sonho. A mão de George repousa delicadamente sob a minha, isso é real. Não é perfeito, e nem de longe o que meu âmago desejaria, mas é o que ganhei em troca de tantas lágrimas. E espero ardentemente que, um dia, o pedaço que Henry deixou para traz comigo possa voltar para o seu devido lugar.

Don't worry...

Annie.


Coldplay @ Death And All His Friends